terça-feira, 15 de março de 2011

A Iliteracia

ou o Anafalbetismo Matemático

Rebordelo é uma das 35 frequesias do concelho de Vinhais, integrando este, juntamente com mais 12 concelhos, o distrito de Bragança. É pois uma freguesia do profundo interior do nordeste transmontano.
No tempo da 1ª República, a grande maioria dos habitantes de "Rebortellos" (do puro latim "carvalho pequeno") eram, tal como a generalidade dos portugueses, aquilo a que na época se chamava "analfabetos".
Poucos sabiam assinar o seu nome e fazer "exame da 4ª" era uma raridade. Um luxo a que muito poucos se podiam dar.
Nesse tempo porém não existia "iliteracia matemática". Pelo menos de acordo com o padrão dessa época.
Em Rebordelo, tal como na generalidade do interior português, as pessoas conheciam as regras matemáticas elementares que lhes permitiam levar a bom porto os seus negócios e o seu quotidiano. Não usavam máquinas de calcular porque por cá não existiam (a primeira foi fabricada em 1972). Também não usavam réguas de cálculo porque lhes eram totalmente desconhecidas, e mesmo que as conhecessem, o seu analfabetismo nunca lhes permitiria usá-las. Contavam pelos dedos ou faziam riscos com as unhas atrás das portas caiadas, que apagavam assim que o negócio se concretizava. Havia até quem, completamente analfabeto, sem sequer saber assinar o seu nome, soubesse calcular os juros do pouco dinheirito que ía poupando e guardando numa promissória do então Banco Pinto & Sotto Mayor! Sabiam sempre quando e quanto íam receber ... Eram gente adaptada ao seu tempo.
Um século depois vivemos num mundo global e cada vez mais globalizante. A nossa literacia não é hoje apenas comparada com a dos nossos congéneres europeus. São os Orientais os nossos principais concorrentes.
No tempo das licenciaturas - à espera de serem concluídas à "rasca" ou nem por isso - vêm-se pessoas de todas as gerações com máquinas de calcular cada vez mais evoluídas e computadores portáteis muito mais sofisticados do que aquilo de que alguma vez vão necessitar. Todos têm Facebook, vão ao Youtube, "Twitam" imenso e "blogar" diariamente é já uma tarefa com o mesmo grau de importância que almoçar ou dormir.
Perante as tais máquinas evoluidíssimas há quem exclame: "Como é que se calcula a taxa de juro na minha máquina?" (como se tal valor dependesse da máquina onde se calcula!).
A questão essencial reside no facto de que qualquer equipamento, por muito moderno que seja, está sempre limitado à utilização que cada um consegue fazer dele.
Há algum tempo uma aluna do Ensino Superior necesitava de calcular o desvio padrão de uma variável aleatória. Foi-lhe dito que calculasse a raíz quadrada da variância, valor que já possuía. Perplexa, a aluna exclamou: "Eu sei isso! Eu sei que o desvio padrão é a raíz quadrada positiva da variância, mas, já multipliquei por 2, por 3  e até por 0.5 e não dá o que está nas soluções! A minha máquina deve estar avarida. Não admira foi comprada na loja dos chineses. Tenho de comprar uma a sério!".
Havia há 100 anos analfabetos que apenas o eram porque nunca lhes foram dadas condições que lhes permitissem tornar-se "literados",  ou existem hoje "literados" com todas as condições, muito mais analfabetos que os analfabetos de há 100 anos? Se calhar é um problema de escala. Einstein tinha razão quando nos falou da relatividade...
Algumas destas pessoas, muitas delas, a maioria delas talvez, frequentam o Ensino que se diz Superior e farão parte muito em breve dos apenas 15% de portugueses que possui habilitações, ditas elas também Superiores. Sejam estas quais forem, são e serão sempre licenciaturas ...

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